2005-01-15

Imprevistos


Era um final de dia como tantos outros não fosse obrigado a mudar de trajecto no regresso a casa para visitar um amigo que estava no hospital. Já fazia muito tempo que não entrava num desses edifícios, tão úteis à sociedade, mas que evito sempre que posso.

Naquela tarde, meio apressado, vi-me forçado a inalar aquele cheiro tão característico dos hospitais à procura, entre salas e camas, do JP. Encontrei-o deitado, rodeado de máquinas, com um “ar de transe” e com uma cor de pele que não parecia ser a sua. Trocámos um olhar, um sorriso amarelo, poucas palavras e senti em mim crescer um sentimento de impotência, de algum desespero e até de revolta. O JP é ainda jovem mas, por razões que nem a ciência sabe, despede-se da vida.

No regresso a casa, nessa tarde, a imagem do JP parecia caminhar à minha frente. Talvez por isso, resolvi andar pé, em vez de apanhar o metro. Caminhava por uma rua que desconhecia totalmente, mas avançava em direcção a um pôr-de-sol que, em Lisboa, nunca tinha visto igual. E foi nesses instantes, como que hipnotizado pelo sol, nesse caminho de regresso a casa, que compreendi a inutilidade de uma vida rotineira e sem paixão... Não fosse aquela visita e a contemplação da forma como o sol se despedia, esse dia teria sido igual aos outros tantos dias do ano.

E desejei ser livre para dar mais tempo aos imprevistos que a vida me oferece. Arrependi-me de usar relógio, essa máquina opressora que me escraviza, e prometi a mim mesmo que, nessa noite, havia de queimar a agenda.
David

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