2005-01-29

O Alpinista



«Contam que um alpinista, desesperado por conquistar uma altíssima montanha, iniciou a sua escalada depois de anos de preparação. Como queria a glória só para ele, resolveu subir sem companheiros.
Durante a subida, a noite caiu, mas ele não estava preparado para acampar, por isso, decidiu continuar a subir... até escurecer. A noite era muito densa naquele ponto da montanha, e não se podia ver absolutamente nada. Tudo era negro, a lua e as estrelas estavam encobertas pelas nuvens. Ao subir por um caminho estreito, a apenas poucos metros do topo, escorregou e precipitou-se pelos ares, caindo a uma velocidade vertiginosa. O Alpinista via apenas velozes manchas escuras passando por ele e sentia a terrível sensação de estar sendo sugado pela gravidade.

Continuava a cair... e nos seus angustiantes momentos, passaram pela sua mente alguns episódios felizes e outros tristes de sua vida. Pensava na proximidade da morte, sem solução...

De repente, sentiu um fortíssimo solavanco, causado pelo esticar da corda na qual estava amarrado e presa estacas cravadas na montanha. Nesse momento de silêncio e solidão, suspenso no ar, não havia nada que pudesse fazer e gritou com todas as suas forças:

MEU DEUS, AJUDA-ME !!!
De repente, uma voz grave e profunda vinda dos céus respondeu-lhe:
QUE QUERES QUE EU TE FAÇA?
Salva-me meu DEUS !!!
REALMENTE CRÊS QUE EU TE POSSO SALVAR?
Com toda certeza Senhor !!!
ENTÃO CORTA A CORDA NA QUAL ESTÁS AMARRADO...
Houve um momento de silêncio; então o homem agarrou-se ainda mais fortemente à corda...

Conta a equipe de resgate, que no outro dia encontraram o alpinista morto, congelado pelo frio, com as mãos agarradas à corda... APENAS A DOIS METROS DO CHÃO...

E tu, cortarias a corda?»


2005-01-22

Compreender a vontade de Deus...

«Quando uma pessoa morre há muita coisa que se pode dizer sobre ela mas também há algo que nunca se deve dizer...

Na noite em que o meu filho Alex morreu, uma senhora veio-nos mostrar a sua simpatia trazendo com ela 18 quiches e dizendo com tristeza "Nunca conseguirei compreender a vontade de Deus."
Eu explodi. " Ó minha senhora! Tenho a certeza que nunca irá compreender. Então a senhora pensa que foi a vontade de Deus que fez com que o meu Alex nunca tivesse substituído a porcaria do pára-brisas, ou que fez com que ele viesse em grande velocidade durante a tempestade, ou que fez com que ele bebesse umas cervejas a mais? Ou pensa então que é a vontade de Deus que não haja luzes na estrada ou que não exista protecção na curva entre a estrada e a baía de Boston?"

Não há nada que me exaspere mais do que a incapacidade de pessoas, aparentemente inteligentes, em compreenderem que Deus não anda neste mundo com o dedo no gatilho, de navalha aberta no seu punho, ou com as suas mãos nos volantes. As mortes precoces, lentas, cheias de dor, levantam questões às quais não encontramos respostas... Nunca teremos conhecimentos suficientes para podermos afirmar que tal morte foi da vontade de Deus...

A minha única consolação resta em que acredito que não foi da vontade do Pai a morte do meu Alex; que quando as ondas do mar cobriram o automóvel, o coração de Deus foi, antes dos nossos, o primeiro coração a despedaçar-se.»

Rev. William Sloan Coffin no dia do funeral de seu filho, Alex de 24 anos de idade.

2005-01-15

Imprevistos


Era um final de dia como tantos outros não fosse obrigado a mudar de trajecto no regresso a casa para visitar um amigo que estava no hospital. Já fazia muito tempo que não entrava num desses edifícios, tão úteis à sociedade, mas que evito sempre que posso.

Naquela tarde, meio apressado, vi-me forçado a inalar aquele cheiro tão característico dos hospitais à procura, entre salas e camas, do JP. Encontrei-o deitado, rodeado de máquinas, com um “ar de transe” e com uma cor de pele que não parecia ser a sua. Trocámos um olhar, um sorriso amarelo, poucas palavras e senti em mim crescer um sentimento de impotência, de algum desespero e até de revolta. O JP é ainda jovem mas, por razões que nem a ciência sabe, despede-se da vida.

No regresso a casa, nessa tarde, a imagem do JP parecia caminhar à minha frente. Talvez por isso, resolvi andar pé, em vez de apanhar o metro. Caminhava por uma rua que desconhecia totalmente, mas avançava em direcção a um pôr-de-sol que, em Lisboa, nunca tinha visto igual. E foi nesses instantes, como que hipnotizado pelo sol, nesse caminho de regresso a casa, que compreendi a inutilidade de uma vida rotineira e sem paixão... Não fosse aquela visita e a contemplação da forma como o sol se despedia, esse dia teria sido igual aos outros tantos dias do ano.

E desejei ser livre para dar mais tempo aos imprevistos que a vida me oferece. Arrependi-me de usar relógio, essa máquina opressora que me escraviza, e prometi a mim mesmo que, nessa noite, havia de queimar a agenda.
David

2005-01-05

Andante

Na vertigem do tempo
Amarrado à secura da sorte,
Como cárcere deserdado
Trazia na sede
A profana réstia
De ser coágulo andante.
Lentamente,
Aninhei-me na cisterna,
Do deserto dessa tarde,
Bamboleando a vida
Que se fez “Notícia Nova”,
Na profecia submersa
Do Teu: “Dá-me de beber”.

João Luis Silva