Eram por volta das 11.30 de uma manhã fria, cinzenta e chuvosa, quando os coveiros ergueram mais uma vez as sacholas para cobrirem de terra outro caixão anónimo. Não fosse a chuva que dificultava o serviço, nada havia de especial. De faces tão frias como essas manhãs, os homens arregaçaram as mangas e cuspiram nas mãos e, num instante, puxaram a terra lamacenta de um lado para outro até desaparecer o caixão. Nuns minutos tudo estava resolvido: a srª Y já estava despachada.
Despachada anonimamente, pois nessa triste cena não havia os habituais acompanhantes que enxugam lágrimas e recebem condolências. A srª X era mais uma das tantas pessoas que vivem e morrem quase sozinhas.
Nestas manhãs frias e húmidas, é difícil ser indiferente ao crescente número de homens e mulheres que fazem da rua as suas casas. Imagino como dever ser viver sem lar e sem quase ninguém, escravizado por um «senhor vício», sem as coisas que fazem parte do nosso quotidiano banal: uma cama para dormir, um duche pela manhã, refeições à mesa, um programa de TV, um abraço de alguém que nos ama, etc. Nesta época do ano, vê-los nas ruas é ainda mais cruel. São os maus da fita para o mundo e para eles mesmo, já que nem eles querem representar o papel que representam.
E qualquer dia celebraremos o Natal, o nascimento do Deus pobre. As ruas ficarão iluminadas e, no nosso passo apressado, continuaremos a fazer a nossa vida, indiferentes aos tantos Cristos que padecem de fome e frio.
David
2004-11-11
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