Quanto supus ser vitória é fumo apenas.
Fracasso, linguagem do fundo, pista de outro espaço mais exigente, difícil de entreler é tua letra.
Quando punhas tua marca em minha fronte, nunca pensei na
mensagem que trazias, mais preciosa que todos os triunfos.
Teu rosto chamejante perseguiu-me e eu não soube que era para salvar-me
Para meu bem desterraste-me para lugares recônditos, negaste-me
êxitos fáceis, cortaste-me saídas.
Era a mim que querias defender ao não me conceder brilho.
De puro amor por mim manejaste o vazio que tantas noites me fez
falar febril a uma ausente.
Para proteger-me deixaste passar outros, fizeste que uma mulher prefira alguém mais ousado, afastaste-me de ofícios suicidas.
Vieste sempre dar a cara.
Sim, teu corpo chagado, cuspido, odioso, recebeu-me na minha
mais pura forma para me entregar à nitidez do deserto.
Por loucura amaldiçoei-te, maltratei-te, blasfemei contra ti.
Tu não existes.
Foste inventando pela soberba delirante.
Quanto te devo!
Levantaste-me a um novo nível limpando-me com uma áspera
esponja, lançando-me para o meu verdadeiro campo de bata-lha,
cedendo-me as armas que o triunfo abandona.
Levaste-me pela mão à única água que me reflecte.
Por ti não conheço a angústia de representar um papel, manter-me
à força num alto, trepar com esforços próprios, discutir
por causa de hierarquias, inchar até rebentar.
Fizeste-me humilde, silencioso e rebelde.
Não te canto pelo que és, mas pelo que não me deixaste ser. Por
não me dares outra vida. Por me teres diminuído.
Ofereceste-me somente nudez.
É verdade que me ensinaste com dureza e tu mesmo trazias o cautério!,
mas também me deste a alegria de não te recear.
Obrigado por me tirares espessura em troca de uma letra grande.
Obrigado a ti, que me privaste de vaidades.
Obrigado pela riqueza a que me obrigaste.
Obrigado por me construir com meu barro a minha morada.
Obrigado por me afastares.
Obrigado.
(Rafael Cadenas)
2005-05-24
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