2004-12-04

Martinho o sapateiro

João Batista era um homem muito prático. Também o cristianismo é uma religião muito social e prática. Não diz respeito só à ligação entre mim e Deus mas à ligação entre Deus, eu e os outros.

Há uma história muito antiga acerca de um sapateiro de nome Martinho que vivia e trabalhava na cela de um velho edifício. A sua única janela, baixa que era, ainda lhe deixava ver os pés das pessoas que passavam pela rua. Martinho vivia abaixo do nível do solo. Mas, como em geral, quase todos os sapatos ou botas lhe passavam pelas mãos, ele era capaz de identificar os seus possuidores.

A vida tinha sido dura para o nosso sapateiro. Sua mulher tinha morrido deixando-o com um filho ainda pequeno. Depois, quando o menino parecia ter chegado à idade de ajudar o pai, adoeceu e morreu. Martinho ficou devastado. Ao enterrar o seu filho abandonou-se ao desespero, ao mesmo tempo que deixava a sua religião e mergulhava no álcool.

Um dia, um velho amigo veio visitá-lo. Martinho abriu-se e contou a sua triste história. Seu amigo aconselhou-o a que lesse um bocadinho dos evangelhos todos os dias, prometendo-lhe que se o fizesse a luz e a esperança voltariam de novo à sua vida.

Martinho aceitou o conselho e no fim de cada dia tirava o livro dos evangelhos da prateleira e lia um bocadinho. Ao princípio fez ideia de ler somente aos domingos mas, encontrando tanta ajuda neles, começou a lê-los todos os dias. A pouco e pouco as suas perspectivas começaram a mudar. A esperança voltou novamente aos seus olhos e ao seu coração.

Certa noite, enquanto lia, pareceu-lhe que alguém o tinha chamado: “Martinho, Martinho, olha amanhã para a rua, pois eu virei visitar-te.” Olhou para todos os lados e como não visse ninguém no seu pobre tugúrio pensou que tinha sido o Senhor que lhe tinha dirigido estas palavras.

Na manhã seguinte, ao sentar-se no seu banco para trabalhar, sentiu uma excitação enorme dentro dele. Enquanto trabalhou manteve sempre um rápido olhar na janela. Perscrutou bem todo o par de sapatos e botas que por ela passaram, procurando algum que não conhecesse ou que lhe parecesse fora do normal. Bem procurou algo de especial mas só por lá passaram os que normalmente o faziam todos os dias.

À tarde reparou num par de botas que se tinham encostado à sua janela. Eram dum velho soldado seu conhecido chamado Estêvão. Levantou-se para melhor descortinar e viu o velho a esfregar as mãos tremendo, pois fazia um frio medonho naquele dia. Martinho bem pediu a todos os seus santos que tirassem o velhote da frente da janela. Tinha medo que chegasse o prometido e ele não fosse capaz de o ver. Mas depois lembrou-se da pobreza extrema de Estêvão e de que se calhar estava assim pois nada tinha comido todo o dia. Bateu nos vidros da janela e fez sinal para que viesse abaixo até ao seu quarto. O velho soldado agradeceu-lhe encarecidamente e perante o chá e o pão que Martinho lhe serviu confessou que em dois dias nada tinha comido. Quando o velhote partiu o nosso sapateiro deu-lhe o seu segundo casaco. Como ainda tinha dois e o velhote nenhum, e o frio era enorme, resolveu que faria melhor nos ossos daquele pobre do que pendurado atrás da porta. No entanto, durante todo o tempo em que entreteve o soldado, Martinho não parou de olhar para a janela tentando identificar os sapatos e os seus donos.

Anoiteceu e Martinho parou de trabalhar e, cheio de tristeza, resolveu fechar os taipais da sua janela. Depois de comer algo , tirou da prateleira o livro dos evangelhos e, como era hábito seu, começou a lêr os evangelhos. Deparou com a seguinte passagem: ‘Vieram a João e perguntaram-lhe “Que havemos de fazer?” E ele respondeu “Quem tem dois mantos que dê um a quem não tem e quem tem que comer que faça o mesmo.”’
Martinho começou a reflectir sobre esta passagem. Compreendeu então que afinal o Senhor tinha vindo até ele na pessoa do velho Estêvão, e que ele, pobre como era, ainda tinha arranjado tempo e conforto para o acolher. O seu coração inundou-se de uma alegria como nunca tinha sentido.

Martinho já tinha recebido na sua vida Cristo pela leitura atenta que fazia dos evangelhos. Assim a segunda etapa chegou-lhe de maneira natural: a de fazer lugar na sua vida para o irmão necessitado.
O Advento urge que preparemos os caminhos do Senhor. Não há melhor preparação do que abrir os nossos corações e o nosso espírito a quem necessita de nós. A melhor maneira de encontrarmos a bondade, a paz e a felicidade é a de nos esquecermos de nós próprios e de termos o outro, o irmão, sempre no nosso pensamento e nas nossas vidas.
Adapatdo de MACcARTHY, F., in New Sunday.

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