2006-05-09

“Augere”

Quando me perguntaram quais as expectativas para este retiro ou para este tipo de retiro não fui capaz de encontrar alguma, tanto individual como comunitária. Mas logo no final do primeiro dia dei por mim a pensar: espera aí! Isto faz-me lembrar a minha ida para o SEF (seminário em família): sem grandes expectativas, apenas o desejo de conhecer uma nova realidade… E rapidamente me vi a refazer todo o caminho vocacional até hoje (10 anos de vivência vocacional para o sacerdócio!): desde o desconhecimento sobre aquilo com que me ia deparar, passando pelas descobertas de coisas maravilhosas (as paisagens, a descoberta daqueles que caminham connosco), mas também as dificuldades: o caminho que sobe, que desce, com calor, com poluição; a mochila que pesa demasiado…tudo aspectos que me foram interrogando e me abrindo a um caminho já realizado e que, nesta semana, me ajudou a compreendê-lo um pouco melhor.
Este trajecto ajudou a descobrir que cada momento que vivi, que vivo ou viverei não pode ser avaliado de uma forma absoluta, isolada de todo o percurso. O sentido dos acontecimentos, das palavras, das companhias muitas vezes só se entendem quando chegamos ao final do primeiro, segundo ou terceiro dia de caminhada e vemos concretizado o objectivo dessa caminhada: a chegada ao final do percurso traçado!
Mas este caminho não ficou apenas pela memória do caminho vocacional feito até hoje; o caminho realizado ao lado de tantas outras pessoas, desconhecidas, de outras nacionalidades… fez-me perceber que a Igreja peregrina, da qual fazemos parte, é composta por muitas pessoas e diversas! Uma pluralidade de pedras vivas que tornam presente neste mundo Cristo vivo. Cristo que é a força de tantas pessoas, vivido já na caminhada aparentemente desconhecida e que faz a Igreja crescer no mundo.
Outro aspecto tem a ver com o simbolismo milenar deste caminho: associar-se a milhões de peregrinos que entregaram sua vida, suas dificuldades, alegrias, expectativas num percurso purificador. Tudo o que vivo não o vivo sozinho, outros o vivem ou já o viveram. Muitos dos meus passos já foram dados por outros, muitas das minhas dificuldades, alegrias, expectativas já foram vividas por outros. Vivências não só de hoje, mas de todo um milénio! O cristão faz parte de uma família, tem os mesmos problemas. Pode, no exemplo, na memória dos outros, encontrar respostas para o caminho que traçou e que procura atingir com menos dificuldade.
Por fim o dia do encontro (chegada a Santiago): o encontro com o Verdadeiro Cristo, real, presente na Eucaristia. O caminho não pode ter outro sentido: caminho de encontro com Cristo. O cristão vive já esse encontro, embora não definitivo, na Eucaristia. Esta caminhada ajuda, sem dúvida, a compreender esta dimensão cristã de caminho terreno vivido na esperança do encontro escatológico com Cristo. E aí, nesse encontro, tantas pessoas, tantas diferenças, tantas culturas, tantas nacionalidades… mas todos reunidos à volta da mesma realidade que nos move: Jesus Cristo.
O caminho «faz crescer» (augere), amadurecer, tornar cada um de nós mais fortes e conscientes da identidade que assumimos com o nosso baptismo e que, constantemente actualizamos… caminhar quer dizer crescer, construir, fazer comunidade.
Passado quase um mês, talvez já sem os fervores da caminhada ou da nostalgia, fica aqui a reflexão de alguém que está no alto do monte e olha para traz com olhos capazes de encarar o futuro com a esperança de que o verbo «fazer crescer» não é uma “bolha” no pé. Mas o rosto do alimento que nos fortalece e nos ajuda a superar as dificuldades do cansaço, da chuva, do sol, do vento: Cristo, o Bom Pastor!

Pedro Guimarães

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