Este trajecto ajudou a descobrir que cada momento que vivi, que vivo ou viverei não pode ser avaliado de uma forma absoluta, isolada de todo o percurso. O sentido dos acontecimentos, das palavras, das companhias muitas vezes só se entendem quando chegamos ao final do primeiro, segundo ou terceiro dia de caminhada e vemos concretizado o objectivo dessa caminhada: a chegada ao final do percurso traçado!
Mas este caminho não ficou apenas pela memória do caminho vocacional feito até hoje; o caminho realizado ao lado de tantas outras pessoas, desconhecidas, de outras nacionalidades… fez-me perceber que a Igreja peregrina, da qual fazemos parte, é composta por muitas pessoas e diversas! Uma pluralidade de pedras vivas que tornam presente neste mundo Cristo vivo. Cristo que é a força de tantas pessoas, vivido já na caminhada aparentemente desconhecida e que faz a Igreja crescer no mundo.
Outro aspecto tem a ver com o simbolismo milenar deste caminho: associar-se a milhões de peregrinos que entregaram sua vida, suas dificuldades, alegrias, expectativas num percurso purificador. Tudo o que vivo não o vivo sozinho, outros o vivem ou já o viveram. Muitos dos meus passos já foram dados por outros, muitas das minhas dificuldades, alegrias, expectativas já foram vividas por outros. Vivências não só de hoje, mas de todo um milénio! O cristão faz parte de uma família, tem os mesmos problemas. Pode, no exemplo, na memória dos outros, encontrar respostas para o caminho que traçou e que procura atingir com menos dificuldade.
Por fim o dia do encontro (chegada a Santiago): o encontro com o Verdadeiro Cristo, real, presente na Eucaristia. O caminho não pode ter outro sentido: caminho de encontro com Cristo. O cristão vive já esse encontro, embora não definitivo, na Eucaristia. Esta caminhada ajuda, sem dúvida, a compreender esta dimensão cristã de caminho terreno vivido na esperança do encontro escatológico com Cristo. E aí, nesse encontro, tantas pessoas, tantas diferenças, tantas culturas, tantas nacionalidades… mas todos reunidos à volta da mesma realidade que nos move: Jesus Cristo.
O caminho «faz crescer» (augere), amadurecer, tornar cada um de nós mais fortes e conscientes da identidade que assumimos com o nosso baptismo e que, constantemente actualizamos… caminhar quer dizer crescer, construir, fazer comunidade.
Passado quase um mês, talvez já sem os fervores da caminhada ou da nostalgia, fica aqui a reflexão de alguém que está no alto do monte e olha para traz com olhos capazes de encarar o futuro com a esperança de que o verbo «fazer crescer» não é uma “bolha” no pé. Mas o rosto do alimento que nos fortalece e nos ajuda a superar as dificuldades do cansaço, da chuva, do sol, do vento: Cristo, o Bom Pastor!
Pedro Guimarães